SITIOS AQUEOLÓGINO NO PIAUI.

O Piauí pré-histórico de Norte a Sul

Graças ao trabalho árduo de pesquisa e preservação iniciado pela arqueóloga paulista Niéde Guidon, na região Sudeste do semi-árido piauiense que, no final dos anos 60, descobriu um tesouro arqueológico, entre os municípios de São Raimundo Nonato, Coronel José Dias, Brejo do Piauí e João Costa, o lugar ficou conhecido no mundo inteiro. Mais tarde, ganhou nome, Parque Nacional da Serra da Capivara, declarado pela Unesco, em 1991, Patrimônio Cultural da Humanidade.

Na Serra da Capivara, foram encontrados vestígios da existência do homem há cerca de 50 mil anos. Tamanha riqueza atraiu a atenção de arqueólogos do mundo inteiro, além da imprensa nacional e internacional. Pela primeira vez havia evidências científicas de que o homem penetrou no continente americano muito antes de 12 mil anos, como afirmavam os pesquisadores. Essa teoria, levantada por Guidon, ainda gera muita polêmica junto à comunidade científica internacional. (veja entrevista nas páginas 6 e 7).

O patrimônio arqueológico piauiense contribuiu para aumentar as pesquisas na área. A Universidade Federal do Piauí (UFPI) conta com o NAP (Núcleo de Antropologia Pré-Histórica do Piauí), coordenado pela professora doutora Maria Conceição Soares Meneses Lage. O NAP é ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) e foi instituído em 1979 por iniciativa da própria Niéde Guidon. O Núcleo desenvolve atividades no âmbito da pesquisa, do ensino e extensão, nas áreas de arqueologia e ciências afins. Ao longo de mais de 25 anos, atuou diretamente no levantamento do potencial arqueológico do Piauí, resultando no desencadeamento do processo de conscientização relativo à preservação do patrimônio arqueológico e, por extensão, do natural e do edificador. O trabalho do NAP tem obtido excelentes resultados na descoberta e registros rupestres dos parques nacionais do Estado e em sítios encontrados em vários municípios.
No NAP, apenas três professores pesquisadores trabalham diretamente na área: Sônia Maria Campelo (DEA na França, e mestrado no Brasil), Gisele Daltrini Felice (Mestre pela UFPE e doutoranda pela UFPE) e Maria Conceição Soares Meneses Lage (DEA e doutorado pela Sorbonne – França). Elas contam com o auxílio de estudantes bolsistas de Iniciação Científica, concedidos pela FAPEPI por meio de convênio com o CNPq.

Além do NAP, a UFPI já ofereceu curso de especialização em Conservação de Arte Rupestre, reconhecido pela UNESCO, muito disputado, com a participação de professores franceses e alunos de outros países. Maria Conceição Lage informou que elaborou um pré-projeto para a criação do curso de graduação em Arqueologia na UFPI e que esse novo curso já tem apoio da reitoria; será encaminhado ao CEPEX, mas que depende da aprovação do Ministério da Educação. O curso terá a parte teórica empregada no campus de Teresina e a prática no Parque Nacional da Serra da Capivara. No município de São Raimundo Nonato funciona o curso de graduação em Arqueologia e Conservação de Patrimônio, oferecido pela Universidade Vale do São Francisco (UNIVASF); além de um curso de mestrado e um de doutorado em Arqueologia, oferecido pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que funciona em Recife, com estágio obrigatório de quatro meses no Parque.

Para Maria Conceição Lage, a primeira doutora piauiense em Arqueologia, refazer a história dos nossos antepassados, a partir de pequenos achados, cacos que o tempo não destruiu, é fundamental para o homem moderno, que passa a descobrir a sua origem. “Imagine identificar como eram os nossos ancestrais, como viviam e o seu desenvolvimento no tempo, isso é valioso”, afirma.




Estado tem 1.215 sítios arqueológicos

Parque Nacional de Sete Cidades, entre os municípios de Piracuruca e Piripiri
O Piauí é um dos estados brasileiros mais ricos em acervo rupestre, como mencionou Niède Guidon, muito embora não seja o estado com maior número de sítios arqueológicos registrados. Segundo o Cadastro Nacional de Sítios do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), de Norte a Sul do Piauí há 1.215 sítios arqueológicos em cerca de 70 municípios. Na área do Parque Nacional da Serra da Capivara já foram encontrados e registrados 840, envolvendo apenas 10 municípios. Por todo o restante dos municípios, somam-se 375 sítios. Recentemente, foram achadas inscrições em rochas de uma propriedade particular, no município de Jaicós, na região Sul, mas nem mesmo o IPHAN tinha conhecimento do fato, já divulgado na imprensa local.
Embora o IPHAN tenha em seus registros a catalogação de mais de mil sítios arqueológicos, é no Parque Nacional da Serra da Capivara onde se encontra o maior número de achados. Diante da importância do Parque e das reivindicações de Guidon, o governo federal aprovou a criação de um aeroporto internacional, em São Raimundo Nonato. O aeroporto alavancará o turismo, que já existe, mas de forma tímida e melhorará a situação de pobreza da população por meio do aquecimento da economia.
O Parque, por meio da FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano), Ong que administra o lugar, em parceria com o Ibama, também recebe recursos e auxílio do Governo Federal e Governo do Estado do Piauí.
Estados como o Rio Grande do Sul, por exemplo, possui maior registro de sítios arqueológicos, do que no Piauí. Segundo a chefe da Divisão Técnica da 19ª Regional do IPHAN, com sede em Teresina, Ana Clélia Correia, em alguns outros estados há pesquisas ocorrendo há muito mais tempo que no Piauí, assim como é maior o número de pesquisadores. “No Piauí, pelo fato de ser pouco desenvolvido economicamente, e por não ter oferta de profissionais da área, ainda muito pouco foi descoberto. E não é o estado com maior número de sítios encontrados”, explicou Ana Clélia, que conquistou uma vaga de doutorado em arqueologia na Inglaterra.
Entre os parques nacionais localizados no Piauí, além da Serra da Capivara, há pesquisas arqueológicas nos parques de Sete Cidades, região Norte do Estado, envolvendo os municípios de Piracuruca, Piripiri e Brasileira, totalizando 43 sítios cadastrados; e no Parque Nacional Serra das Confusões, na região Sul, vizinho à Serra da Capivara, totalizando 27 sítios, entre os municípios de Caracol, Guaribas, Santa Luz e Cristino Castro. Neste último, fica comprovada a informação do IPHAN, sobre a limitação dos estudos em arqueologia, uma vez que na Serra das Confusões até mesmo o controle da área e a preservação das riquezas naturais e históricas, feita pelo Ibama, é precária. Faltam fiscais e recursos. O Ibama reconhece que, devido à falta de infra-estrutura, a caça predatória não é combatida a rigor e muitos registros da existência do homem pré-histórico já foram apagados.
Segundo o cadastro da 19ª Regional do IPHAN, em Teresina, além dos três parques nacionais citados, as maiores concentrações de achados arqueológicos estão nos municípios de Castelo do Piauí, ao Norte, com 42 sítios; no litoral piauiense, em Luís Correia, com 26 sítios; e no Baixo Parnaíba Piauiense, microrregião de Piripiri, onde há 21 sítios cadastrados.
A forma como viviam os povos pré-históricos no Piauí é uma busca incessante dos arqueólogos, principalmente no Parque Nacional Serra da Capivara. Existem riqueza e variedade de informações sobre os grupos que habitaram a região, entre elas, a forma como os povos expressavam seus sentimentos com entes que faleciam e como eram os rituais fúnebres. Novos estudos estão sendo realizados com a finalidade de verificar se as diferenças encontradas nos sepultamentos representam diferenças sociais ou diferenças culturais, assim como, a origem, o modo de subsistência e a tecnologia dos diferentes grupos ceramistas que ocuparam a região Sudeste do Piauí, na pré-história e no período do contato com o europeu.
Os estudos comprovam vestígios de povos que tinham costumes funerários muito elaborados e praticavam sepultamentos secundários em urnas ou em covas na terra, entre 3.000 e 1.600 anos. Apesar da diversidade dessas sepulturas, um fato é constante: a cabeça recebia um tratamento diferenciado: era separada do resto do corpo e enterrada sobre o arranjo feito com os outros ossos, algumas vezes 20 ou 30 centímetros mais alto que o montículo de ossos longos. A cabeça era sempre coberta, seja por uma cabaça cortada na metade, seja por um recipiente de cerâmica.